DE UMA INSENSATEZ SEM FIM
Caminho inverso eles descobriram que a mulher no fundo era um búfalo que nenhum homem conseguia acessar porque detrás da aparente civilidade e doçura tinha um animal atônito, inquieto e destemido, com os cornos virados na boca. De uma insensatez sem fim. O caçadores, ao contrário, sempre a encontravam perdida no mato, ferida feito mulher, e acreditavam que lhe acarinhavam quando empunhavam a lança ou tocavam tiro. Afeitos aos bichos, em busca da fragilidade – esta que era tocaia natural dos olhos – os caçadores lhe despiam da pele de búfalo e ela ficava ali, perdida num vazio de intenções, desconecta do impulso vontade-ação tão instintiva aos búfalos.
- Respira fundo oyá.
- Rápido não, fundo.
- Ofegante não, fundo.
Que essa vontade de ter o ar do mundo não lhe satisfaz.
- Eles vem de muitas partes e é preciso dar tempo pra conseguir vencê-los pelo cansaço.
A coragem está no tempo que a gente se expõe e não no susto que a gente dá.
- Quieta oyá.
- Respira fundo, silencioso.
- Diminui os movimentos, a pulsação.
- O sangue nas veias, o suor.
- Vai engroçando essa pele, recuperando os pelos.
- Fazendo do suor um sebo que é para eles não lhe cortarem.
- Fazendo das lágrimas um veneno que é pra eles lamberem piedosos.
- Fazendo dos pelos espinhos.
Ferida você sempre esteve.
Mas nunca.
Nunca se rendeu.
13 de dezembro de 2011
MAIS UM SOPRO DE IANSÃ
Quando estava quase desanimando daquele dia de labuta, e ouvindo mais uma chamada pra luta, um aperreio matreiro e sem fim, ele falou assim em caixa de texto, abre: "Bom. Iansã era um búfalo, que nenhum caçador podia matar. Dezenas de caçadores de todas as partes tinham sabido de sua fama e tinham vindo caçá-la, e ela matou a todos, menos a um (Ogum) que descobriu que o búfalo na verdade era uma mulher, e, por causa desse segredo, casou com ela". Ela entendeu seu ódio e sua angustia, isso de caminhar exatamente no oposto do que desejava, isso de amar oque lhe descobria, e descobrindo assim ia vivendo em carne viva, isso de querer enfrentar com os olhos fechados e os cornos dobrados. Isso de sempre esperar uma coisa tão inesperada.
3 de outubro de 2011